Ana Teresa Pereira
Ele e ela. Eram um contraste por vezes vincado, mas sempre desejado, sempre harmonioso e em constante ecstasy. Cada toque da mão robusta dele na face pálida dela era como um beijo do Sol na superfície da Lua. Cada pensamento sussurrado timidamente pela mente dela era acolhido calorosamente pela alma aberta dele. Ele e ela. Destinados um ao outro como dois corpos celestes oriundos de um mesmo grão de pó.
Tragicamente, quis o Destino que este amor carnal findasse, que ele regressasse à galáxia de onde viera, que voltasse a ser “pó, cinza e nada”.
Apesar de tudo, ela continuou a visitá-lo, religiosamente, na sua nova morada: o jardim. Poderia ser um jardim como qualquer outro, mas neste, o ar emanava um cheiro de saudade, e estava presente o constante murmúrio de palavras não ditas e lágrimas tardiamente derramadas. Todos os dias, ela entrava pelos imponentes portões de ferro que guardavam o jardim, e sentia a brisa de melancolia que lhe fazia esvoaçar os cabelos, bem como o imperdoável toque dos raios de Sol que tentavam afagar-lhe a face e secar-lhe as lágrimas teimosas, em vão. Todos os dias, ela encontrava-se com ele no mesmo recanto, onde sabia que ele estaria, indubitável e silenciosamente à sua espera, num mar de vultos caiados e gélidos. Ele estava diferente. A sua aparência, outrora cativante e deleitável, tinha sido substituída por um exterior austero e marmoreado, sob o qual ele se deitara infinitamente, fitando o céu.
Um dia, também ela iria morar no jardim. Era inevitável. Chegaria o dia em que uma força metafísica a obrigaria a habitar novamente junto dele, e ela aguardava ansiosamente por esse abençoado momento. Ela desejava que essa força ominosa lhe permitisse mudar-se para o jardim o mais cedo possível. Toda a alegria terrena se desvaneceu quando ele foi para lá. Os pequenos momentos silenciosos que partilhava com ele no soturno jardim eram tudo o que lhe restava. E de que servem perguntas respondidas pelo ensurdecedor silêncio da perda? De que servem confissões omitidas em medo, sem uma alma que as acolha? De que servem encontros fugazes sem o toque de uma mão quente para acalmar os prantos de um choro incessante? De que serve a existência vivida em desespero e constante agonia? De que serve a vida, quando encoberta pelo nevoeiro perverso da saudade?
Chegara, por fim, o fatídico e glorioso dia. O dia que ela tanto aguardara, que as forças transcendentes teimaram em adiar, mas que ela decidira contrariar. O dia em que, pelas próprias mãos, ela fez frente ao Destino e o desafiou a uni-la novamente a ele. E resultara. Talvez o Destino tivesse sentido misericórdia de uma alma espartilhada pelo sufoco da dor. Talvez o Destino se tivesse cansado de ouvir os pedidos de liberdade clamados por um espírito em deterioração. Talvez este fosse o plano do Destino desde o momento em que criou dois corpos celestes através do mesmo grão de pó.
E assim ela foi habitar, também, para o jardim. Hoje, ali estão, lado a lado, deitados fitando o céu. Ele e ela. Enclausurados. Esmaecidos. Estoicos. Mas juntos.
Eternamente.