José Pedro Marques
O ano era 1991 e estreava o marcante e melancólico My Own Private Idaho, realizado por Gus Van Sant. A performance de River Phoenix como um narcoléptico que se prostitui para conseguir sobreviver nas ruas de Portland é uma das mais emblemáticas daquele que será, mais tarde, definido como o movimento New Queer Cinema, englobando obras da década de 90 com foco na vida LGBTQ+. “Cuspindo na cara” do pinkwashing e revogando a utilização de personagens queer com fins performativos, esta nova onda de filmes independentes vem colocar no centro da produção artística a subversão dos papéis binários de género e todas as suas manifestações políticas, interpessoais e individuais. A experiência gay surge como um mundo underground, onde a expressão pessoal é idiossincrática e revolucionária, incendiária e orgânica.
É em Paris is Burning que Jennie Livingston documenta o ballroom que floresceu entre as vísceras gentrificadas e cisheteronormativas da vida noturna de Nova Iorque. Dando voz a mulheres trans negras e latinas, põe em primeiro plano o seu papel na construção de uma identidade cultural puramente original e influente. Já Todd Haynes pinta um conto de homoerotismo dentro de uma prisão em Poison, enquanto conta as histórias de uma criança que assassina o seu pai abusivo e de um cientista que, após descobrir o elixir para a atração sexual, se transforma num leproso. Blue, o último filme de Derek Jarman, utiliza uma tela azul Klein para partilhar o testemunho daquilo que é viver – e morrer – com SIDA. Revelando uma visão artística particularmente poética e histriónica, Jarman transforma a sua própria morte no legado de uma América genocida.
Totally F*cked Up, o primogénito da trilogia Teenage Apocalypse, descreve a SIDA como uma arma biológica utilizada para eliminar aqueles que praticam sexo pré-matrimonial ou consumem drogas intravenosas. It’s like a born-again Nazi Republican wet dream come true, relata a personagem Patricia. Pois, Patricia, tens toda a razão. Introduzindo a longa com a frase ANOTHER HOMO MOVIE BY GREGG ARAKI espetada no ecrã, o autor estabelece o seu tema, a sua audiência e o seu manifesto. Com a retorção daquilo que seria um teen drama, é criado um universo em que Queerness é a única religião, alucinogénios passam a hóstia e concertos dos Nine Inch Nails são a missa que os praticantes frequentam. Progressivamente mais experimentais, The Doom Generation e Nowhere, os dois filmes que completam a tríade de Araki, utilizam elementos sonoros e visuais que transportam e transtornam, acompanhando a narrativa distópica que os define.
Alcançando notoriedade internacional e intergeracional, estes e muitos outros criadores e suas criações vieram provar que a norma não chega para criar arte que resista às intempéries do esquecimento. É imperativo reescrever a narrativa de que a marginalização das minorias é o elemento mais importante da sua identidade. New Queer Cinema, para além duma resposta artística à gestão política da SIDA na década de 80, foi uma emergência no reconhecimento e emancipação da voz queer. Que não volte a ser silenciada.