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A Tolerância Intolerante

Pedro Gonçalves

Quanto podemos tolerar? Diria que a questão se prende ao quanto cada um é capaz de ceder. Então, tolerar é ceder? Não tem que ser, nem deve ser. É mais como que o fruto do respeito pelos outros.

Devido às nossas diferenças respeitamo-nos diferentemente, dando asas ao que consideramos intolerável e tolerável. Estas incoerências pessoais toldam as comunidades, os seus valores, as suas vontades e, por conseguinte, a sociedade.

Era rapazito ainda, quando me foi incutido que o amor, a chave para a felicidade, subsiste na nossa capacidade de saber perdoar – na aceitação encontraremos a paz. Mas, também sei que senão queremos viver subjugados, tem que partir de nós o espírito crítico; ser assertivo para quem desrespeita e abusa da nossa bondade. “Não sejas ingénuo!” – digo para mim mesmo. E é desta forma que, de uma educação comumente falível, nascem os dilemas. Dilemas estes que se plantam à luz da consciência e suplantam a nossa clarividência, o nosso espírito naturalmente bom e respeitador.

Sinto que estamos a dar passos para trás, a entrar num novo pesadelo dominado pelo populismo e os seus apoiantes revoltadinhos, por brancos cegos, incapazes de ver a cor pelo que é, transformando-a num símbolo de perigo que se prepara para ficar com tudo o que é deles. Pergunto-me, de onde é que saíram estas “aves raras”? Nasceram da flexibilidade desmedida daqueles que não viram problema em arranjar lugar para todos à mesa dos crescidos. O problema está na implacabilidade da não aceitação, no receio de repreender atitudes incorretas e a propagação de valores e ideais absurdos.

 Resultado: os partidos neo-nazis perdem a vergonha e desfilam pelas ruas; Trump, Bolsonaro, André Ventura e outras faces do extremismo político impulsionam o populismo, a arte de cativar com ideias ignorantes, o racismo, o machismo, a supremacia da nação, o falso patriotismo, a vitimização irreal. Perdeu-se o significado de liberdade; enfim, reina a intolerância.  E por mais estranho que pareça, muitas destas pessoas, defensoras da censura pelo suposto bem maior, sentem-se insultadas e desrespeitadas, como que se a sua liberdade estivesse a ser atacada, quando, na verdade, os seus atos espelham aquilo de que tanto se queixam. Não tão complexo como viajar no tempo, mas ainda assim complicado de compreender este paradoxo social em que nos encontramos.

Gosto de acreditar no bom senso individual, mas sei que tal caraterística é rara nos dias que correm. A nossa bússola moral já não sabe para onde se virar com tanta politiquice, corrupção, um ensino que fica a desejar e pobre nos temas que debatemos diariamente e nos afligem cada vez mais. Corre-nos no sangue, a uns mais do que a outros, questionarmo-nos acerca do porquê de as coisas serem assim, mas num país e num mundo onde tanto acontece “porque sim” acabamos por desistir de lutar contra a corrente que tanto nos enerva. Diria que, acima de tudo falta-nos espírito crítico, capacidade para não aceitar todas as opiniões só porque estão no seu direito. Uma coisa é certa: da intolerância nasce a persistência, a resistência à mudança, sobrando uma sociedade pobre, pintada orgulhosamente aos olhos de quem foi ingenuamente tolerado.

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