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Sétimo Dia

José Pedro Marques

No sétimo dia, partirei. Levem-me a casa às costas, que as minhas já carregam o fardo de amar. O estômago vazio alimenta-se da vontade de zarpar. Os olhos lacrimejantes secam-se no lenço da inércia. As pernas não levantam. Mas as mãos tremem com a chegada iminente do novo paradigma.

Partirei no sétimo dia. O caminho que se ergue é igual ao que atrás de mim se desmorona: preenchido por sombras fétidas que apenas seres nauseabundos habitam. Mas eu não quero habitá-las. Quero sentir o odor que repulsa. Esse odor que, como eu, mero parasita da modernidade, se esconde da luz. A fotofobia não me impedirá: ultrapassarei as intempéries e dissabores desse caminho, surgindo insípide e transparente, clare como a luz que outrora temia.

Já se aproxima o sétimo dia. Aquele em que parto. Agarro-me à almofada e sinto a tensão das fibras, lutando em uníssono para manter a integridade dum objeto com nome, mas sem significado. Às vezes, sinto-me como ela. E agarro-a, porque só ela me compreende. De igual para igual, o diálogo escorre como chuva. Igualmente escorrem os olhos meus e da almofada – partilhamos também um só par de olhos, feito da mesma fibra.

O sétimo dia é amanhã. Amanhã partirei. Se o tempo assim o permitir. Se a chuva não fizer do jardim lama. Se o sol não fizer das montanhas lava. Se assim for, parto no oitavo dia. Ou no nono. Ou esperarei aqui, desgastando a cadeira ao pé da janela, olhando o jardim tornar-se lama e as montanhas lava. O pó assenta e eu não o sacudo. Sou como mobília. Alguém que habite esta casa, que o tempo para amar já passou e agora não pertenço nem às sombras.

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