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A emoção cromática de Wong Kar-wai

Erica Gomes

Com base numa cinematografia fragmentada e experimental, Wong Kar-Wai criou, admiravelmente, o seu mundo. A prioridade de cada um dos seus filmes são as emoções e não necessariamente a narrativa, neste caso o seu característico estilo artístico existe para as evocar. É fácil apercebermo-nos da relevância, perto de obsessiva, dada à estética. Os seus filmes repletos de cores saturadas, vibrantes, quase alucinatórias, são um manifesto das conotações psicológicas das cores e de como estas podem ser manipuladas de forma a implantar sentimentos no subconsciente da audiência. Com a ajuda do diretor de fotografia Christopher Doyle, envolvem o espaço cénico em tons nas escalas verde-azul e amarelo-vermelho, criando, brilhantemente, uma atmosfera melancólica. O cineasta chinês associa esta técnica a um grande envolvimento musical e a uma filmagem distorcida em conjunto com uma edição elíptica, valorizando a expressão visual à estrutura narrativa. De facto, é conhecido por ir para as filmagens sem ideias pré-concebidas, confiando plenamente nos seus instintos e improvisação. Apesar de pouco planeamento, consegue entregar imagens visualmente ricas, em que todos os seus elementos têm um propósito, repletas de sentimentos subliminares, possibilitando aos espectadores entender intuitivamente a narrativa sem necessitar de diálogos.

O tema predileto de grande parte dos seus filmes é o amor romântico em todas as suas formas, contudo tendendo sempre para o espectro da melancolia. Dedicou a sua carreira a retratar a complexidade das conexões humanas, explorando profundamente as suas muitas contradições. A maioria das personagens encontram-se alienadas, solitárias e desmotivadas. Contudo, Wong Kar-Wai faz o peso opressivo das emoções ganharem uma beleza poética. Joga com o contraste entre a noite e o dia, sendo cruel com a maneira como retrata Hong Kong noturna, refletindo as inúmeras falhas e idiossincrasias que criam uma cidade alheada, em que vigora o anonimato. As pessoas estão tão isoladas nos seus próprios pensamentos que não se apercebem que há inúmeras oportunidades à sua volta para se desprenderem da sua solidão. Desta forma, o cineasta aproveita-se do acaso para explorar as relações humanas, aproveitando-se de espaços em que interações e conexões sociais são feitas ou perdidas. As suas personagens encontram-se num limbo intenso entre desejo e realização, revelando que um breve momento tem a capacidade de criar mudanças irrecuperáveis. Todavia, a maioria destas ficam presas no sofrimento e apatia. 

Curiosamente, num intervalo de apenas 6 semanas da gravação de “Ashes of time”, um filme que exigia um grande investimento, mas no qual não se sentia realizado, o cineasta decidiu gravar uma das sua obras mais influentes: “Chungking Express”. O processo foi marcado pela espontaneidade e improvisação, em que de dia escrevia o que seria filmado nessa noite. Demonstrando, desta forma, a sua característica liberdade cinematográfica. Inicialmente, “Chungking Express” deveria ser um filme com mais de 3h, contudo, face às limitações de tempo e orçamento, Wong Kar-Wai foi obrigado a filmar mais tarde a sua continuação, o conhecido “Fallen angels” – para mim, a sua obra mais marcante. O objetivo era retratar a dualidade entre um Hong Kong doce e ingénuo com um mais cru e negro, respetivamente, através de 4 histórias não lineares.

Wong Kar-Wai foi um pioneiro ao criar a sua própria linguagem cinematográfica, enfatizando emoções e desejos ocultos escondidos no subconsciente. Mediante os pilares em que a sua cinematografia assenta, consegue que os tormentos existentes nos nossos pensamentos íntimos pareçam poéticos e glamorosos. Não posso, assim, deixar de recomendar os seus filmes, nos quais todos os elementos se encontram numa perfeita harmonia lírica, criando uma potente atmosfera, quase onírica, que tem o poder de hipnotizar quem os vê.

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