Categories
Rubricas

Estrela Cadente

Clara Sousa

Bem costumam dizer para tomar cuidado com o que se deseja. Por tanto tempo, ouvi em mim o desejo de me excluir da presença dos outros e agora me encontro na oportunidade de o fazer. Muitos estranham o isolamento. Aterrorizados com a solitude, sentem-se irrequietos, como animais capturados em espirais de hiperatividade, querendo ser soltos. De vez em quando, um ou outro lembra-se de se preocupar e pergunta-me como me sinto face à “dificuldade” que é estar distante. Nesses momentos, apetece-me rir. Rir de tão irrisória que me parece a questão. Como se, para mim, fosse assim tão inusitado esse estado de contenção. Eu? Como estou? Normal. – é a minha resposta. Porque, de facto, se tornou norma. Já antes me sentia uma prisão apática de mim mesma. Já antes deambulava dentro de um aquário solitário, observando de longe as pessoas e a vida a passarem por mim. Mais uma barreira, ainda que exterior, não me faz grande diferença. Vou ser honesta. Fiquei satisfeita por me ver livre da algaraviada habitual do quotidiano – afinal, agora posso sentir-me longe. Longe e sem disfarce para escudo alheio. Só não me livro deste monstro execrável que se esconde na invisibilidade, me rouba a identidade e que a minha insegurança fomenta, fazendo-me ceder à inércia e retirando-me a verdadeira liberdade. Por isso, se tornou norma. Porque um passo em qualquer direção transforma o que sinto num labirinto que acaba num abismo. Porque nem no meu sono a fadiga de viver se digna a desaparecer. Porque, enquanto durmo, fica ativa a minha mente. A minha mente que mente e me mostra terríveis cenários de morte, sangue e sentidos contrários. Porque as repetidas tentativas desesperadas de saída não funcionam. Porque acordo exausta e descontente com as duas opções que tenho e já não chegam. Porque, neste meu cubículo, as vozes de fora afirmam haver escapatória e esperam que acredite quando tudo o que vejo em meu redor são paredes. Porque, neste meu livro, só restam páginas rabiscadas, bloqueando o seguimento da minha história. Porque estou tão mais confortável dentro desta casa, que se tornou desculpa, embrulhada nos lençóis da tristeza com as portadas das janelas (para alguns, esperançosas) fechadas. Janelas que abro apenas ao lusco-fusco, deixando-me engolir pelo escuro da noite calada. Despertar a alma quando nenhuma outra está acordada e encontrar consolo na cidade adormecida, nas luzes apagadas e no fumo indomável e singular que se desvia de cada olhar.

No entanto, nesse abraço às trevas e à solidão, preservo uma pequena luz protetora, habitante do meu coração. Talvez feita do cintilar de estrelas vigilantes. (Ou talvez não)

Sei que o único desejo que me atrevo a fazer, enquanto contemplo o traço luminoso que se desenha neste céu da cor do breu sem fim, é que essa luz permaneça e para sempre me impeça de me contentar com tão pouco de mim.

Nota: Um texto escrito durante o primeiro confinamento geral devido à pandemia da COVID-19, mas, essencialmente, sobre outro tipo de confinamento – um que ainda não terminou para muitos. Espero que traga alguma companhia e ânimo aos que, por quaisquer motivos, estão confinados a um estado de saúde mental isolador <3 (especialmente, podendo agora dizer que a luz persistiu, sim).

Ilustração: Jenn Strickland 

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *