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Momento

Inês Maia

Haverá mais sublime e dedicada vivência que aquela que se presta à conservação de todos os momentos que foram para se viver?

Mesmo estagnada, por aparência enganadora, a vida insiste em correr e corre. E nós assistimos a esta corrida, por vezes melancolicamente morosa, outras vezes como a um cavalgar velocíssimo que impossivelmente se acompanha.

 Assistimos, ora sonolentos, ora atentos e vivos para a beleza de tudo isto, de toda esta corrida que afinal não é corrida nenhuma.

E a vida corre e passa por nós.

Sente-se na pele o rugido ventoso da sua passagem.

Um rugido que aflige o peito que já contraído se recorda que não a viu correr, apenas a viu passar, não a buscou, sentou-se, conformou-se, pasmou, e agora chora o coração dos olhos que não souberam ver, das mãos geladas e inertes que não a souberam ter, dos ombros curvados e para sempre afastados da beleza de tudo isto.

Outras tantas vezes, sente-se a passagem como uma brisa roçando a carne quente do espectador. E é agradável como esta refresca e alivia o calor insuportável de se ser e de estar.

E nisto a vida passou, vimo-la correr, mas assistimos à sua ida. Não foi rugido então, foi o soar da sua ida, que memorizamos, recordamos, vivemos. “Eu vi-a” diz o espetador dócil e meigo da fundura da sua alma que senta e espera e vive para a beleza disto tudo que são momentos, “Eu vi-a! Ah como era singela na corrida. Mas que corrida, afinal? Eu vi-a, mas não vi corrida alguma. Era todo um caminhar, compassado é certo, mas não urgente. O tempo não urgia. As coisas cessavam quando tinham de cessar. E depois voltava-se à ordem natural das coisas e ela seguia e eu vi-a seguir muitas vezes. Nunca deixando de a fitar, os meus olhos nunca a perderam. Soube sempre onde andava, onde buscá-la, onde recebê-la, onde vivê-la, e jazo hoje sem saber onde perdê-la. Grande contentamento o meu, que vivi uma vida sem nunca a saber perder!”

Nota da autora: À luz da atual incerteza e receio, saibamos descobrir em cada um de nós a força motriz do nosso existir humano, aquilo que atribui significado à vida que conduzimos e que nos conduz. Saibamos viver em concordância com a essência branda de todas as coisas e descobrir em cada momento mais um motivo para sermos, vivermos e estarmos no caminho que temos vindo a traçar, cientes de que o tempo que passa não está condenado ao esquecimento, mas sim à recordação saudosa e meiga daquilo que nos trouxe aqui e nos levará além.

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