Inês Maia
Há um considerável prazer em revisitar a Natureza em locais de silêncio e contemplação.
Perto do campo, murados pelos universos virtuais que nos compõem e nos encarceram, recuperamos laivos de liberdade com gosto a fresco e renovação.
Nas flores, redescobrimos infantilmente o ar singelo do mundo a cores e a suavidade do toque que anseamos, o desejo de abandonar todas as futilidades e juntarmo-nos, naturalmente, à esfera da simplicidade que fecunda a existência. As folhas das árvores juntam-se e afastam-se, roçando umas nas outras e produzindo melodias vivas de valsas inesquecíveis. As folhas são afinal como a gente: afastam-se para, entretanto, se reaproximarem, e nestes infinitos recuos e avanços produzem a harmonia das verdadeiras relações humanas, onde há espaço, onde há toque, e a música simboliza a incompreensão compreensível de tudo aquilo que vivemos.
Junto dos campos espraiam-se as nossas filosofias vagas. Na extensão verde e pura, ondulante e embebida numa magistral quietude irrequieta, as nossas teorias ideais e as verdades que julgávamos absolutas dissolvem-se num nada gigantesco que pouco importa, que não incomoda jamais. Livres do peso do nosso existencialismo forçado, como uma veste que, por obrigação, temos de envergar, resulta a nudez do espírito que caminha. Julgamo-nos livres, juntamente com os fragmentos e ligeiros manifestos de vida que envergamos. Envolve-nos um cenário idílico que nunca uma poesia ou prosa bem concebidas poderão construir, a brisa é mais forte e sente-se o arrepio da pele e o afago da verdura no pé descalço e a extensão do ser confunde-se numa mescla de intimidade com toda a natureza envolvente. A palavra, se for dita, perde todo o sentido, sucumbe ao belo adjacente e imperioso da natureza que se assume perante nós.
Na sua intimidade, reencontramo-nos com o nosso eu esquecido, extensão primitiva do nosso ser, a infantilidade encarcerada e mascarada pelo pensamento adulto. Neste reencontro connosco próprios julgamo-nos mais felizes, até que um baque de descontentamento ou um perfume melancólico nos atravessa e julgamo-nos, para sempre, escravos da injusta carga do pensamento. Se não pensasse não te recordava, gritará algures um romântico destroçado aos ecos das montanhas. Oxalá não pensasse e não viessem ao de cima os medos e as verdades escuras, lamentar-se-á alguém a uma flor quebrada no campo. Se não pensasse não te escreveria, não marcaria em papel e palavra tudo aquilo que sinto quando estás aqui, tão perto, seja natureza, seja gente, sejam ambas quem me fazem verter um amor imenso que necessita de versos para se explicar melhor! A poesia findaria e tudo o que é belo, por muito que o fosse, não perduraria no imaginário que construímos. Afinal o pensamento que aqui me trouxe por excesso é o mesmo que me faz refletir acerca do valor de tudo o que me rodeia.
Perante o silêncio que se segue ao chilrear das aves, a ânsia de resolvermos os problemas do dia-a-dia reapodera-se de nós. Estando afastados da rotina e caminhando para outros lugares novos e meditativos, reconhecemos a inutilidade das nossas inquietações e por vezes avistamos soluções simples. O homem na natureza e em comunhão com esta sente-se melhor, mais digno do seu título e condição, em paz e em harmonia. Enfim, a vida simplifica-se brutalmente. Os horários perderam-se, os deveres sucumbiram ao olhar plácido das plantas, a gravidade do semblante parece impossível diante as soalheiras paragens, a agonia de viver perde completamente o seu sentido, decresce a vontade de fugir e apodera-se de nós a arte de ficar, permanecer, saborear e viver longa e levemente todos os momentos por igual.
Retomamos, depois, à rotina, às demandas diárias, mas a verdade é que trazemos em nós a mesma subtileza das flores, o mesmo calor dos fins de tarde, a mesma força revitalizante das árvores e a mesma docilidade e compaixão de todas as formas naturais que nos acalmaram a tempestade interior. Na cidade julgamo-nos para sempre afastados da Natureza, mas aquilo que efetivamente nos falha é a capacidade de a revermos em nós, interiormente.
Caminha como se fosses ave e canta ao ouvido de quem passa.
Sê flor e dá cor às vidas que se atravessam na tua.
Concretiza-te nesta forma tão natural e verás que a natureza habita, naturalmente, em cada um de nós. Somos todas as estações, trazemos em nós a alegria, cor e luz, sorrimos e semeamos algures mais sorrisos, dispersamos melodias vastas, deixamo-nos atravessar pelo tempo e mudamos em função da sua passagem.
Afinal a Natureza habita e faz parte de nós.
Tão naturalmente (em) nós.