Categories
Rubricas

  Perfect blue – a despersonalização e desmoronamento mental numa obra de Satoshi Kon

Mariana Barroso

Satoshi Kon conseguiu exemplificar, através da animação japonesa, o processo das doenças mentais. No caso de Perfect Blue, houve o culminar num desgaste emocional e desfecho trágicos, após as personagens não terem recebido a devida compreensão por parte de uma sociedade doente. Sociedade doente esta que nos cabe a nós curar.

Nunca vi um filme de Satoshi Kon em que não ficasse perturbada e inquietada com todo o enredo que ele cria. É inevitável ver um dos seus filmes e não reparar na construção das personagens, na criação de planos de fundo, ou na complexidade psicológica com que tudo isto se funde. Uma das obras que mais me marcou, a nível de crescimento pessoal, foi o Perfect Blue, criado em 1997.

Perfect blue é, literalmente, um filme doente. É doente porque é um drama real, porque consegue mergulhar o espectador na distorção do sonho e da realidade, tão assustadoramente vivido pela personagem principal, pelos cenários, pela sociedade em que ela se insere.

Esta criação de Satoshi, insere-nos no mundo de Mima: uma cantora pop que decide abandonar a carreira para se tornar atriz, algo que não é aceite por um dos seus fãs mais obsessivos, que não consegue encarar a nova realidade. Com a mudança radical de vida, Mima começa a entrar num conflito interno assombrado pelas incertezas do futuro e experiencia a terrível sensação de perda da identidade pessoal, em que a realidade e ficção se tornam num só e ela existe em dois estados de ser.

Ao mesmo tempo, conhecemos a história de um stalker violento, conhecido como Me-Mania. No filme, nunca passou despercebida esta obsessão, e podemos notar isso logo no final do show de despedida. A ideia que ele cria de que a Mima atriz é uma impostora leva-o a comportamentos de perseguição anormais, desencadeando um agravamento do desmoronamento do “eu” da mesma, levando-a a viver nas suas ilusões não distintivas da realidade.

Numa época em que as convicções e os sonhos podem ser postos em causa pela sociedade, não deixa de ser assustador pensar o quanto isso pode vir a contribuir para a transcendência da identidade pessoal, e contribuir para o desenvolvimento de uma perturbação mental. Desta forma, Perfect Blue surpreendeu-me ao inserir-me no mundo psicologicamente complexo das personagens. Fez-me questionar a desconhecida e terrível sensação de perder a noção de quem sou, através de uma atmosfera dramática e de suspense, a qual Satoshi sabe tão bem criar.

Terminando a minha reflexão, e recomendação, não posso deixar de salientar o quão importante é abordar cuidadosamente a saúde mental. Esta é, sem dúvida, a ponte de construção de nós mesmos, e deve ser abordada com a importância que merece. Nada é mais devastador do que a impotência de não conseguirmos controlar o que somos, ou o que queremos ser; do que vivermos em constante conflito com o nosso mundo; do que não nos conseguirmos inserir no mundo ao nosso redor.

Satoshi Kon conseguiu exemplificar, através da animação japonesa, o processo das doenças mentais. No caso de Perfect Blue, houve o culminar num desgaste emocional e desfecho trágicos, após as personagens não terem recebido a devida compreensão por parte de uma sociedade doente. Sociedade doente esta que nos cabe a nós curar.

Curiosamente (ou não), Perfect Blue conseguiu ser tão inovador que inspirou novos filmes, de que é exemplo Requiem for a Dream, direcionado por Darren Aronofsky. Aronofsky chegou até a comprar os direitos de imagem do filme, para realizar a cena da banheira do Requiem (de que os espetadores certamente se recordam). A semelhança da animação japonesa a certos aspetos de Black Swan (direcionado também por Aronofsky) levantou também dúvidas nos espectadores, embora o mesmo negue qualquer influência.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *