Nesta edição do Concurso “Primazia à Poesia” o painel de jurados foi composto pelo Prof. Dr. Jorge Correia-Pinto, Investigador no ICVS e presidente da EM-UM, pela Prof.ª Dr.ª Maria de Jesus Cabral, auxiliar convidada na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e investigadora do projeto “Narrativa e Medicina”, e pela Cristina Voronin, membro do HS!. Foi atribuído um prémio ao poema vencedor, nomeadamente um jantar na Taberna do LEBRE e um livro da Centésima Página. Em seguida temos o poema vencedor “Contramão” escrito por K. e os restantes poemas escritos pelos outros participantes. A equipa do HajaSaúde! deseja muitos parabéns a todos pela expressão e criatividade.
Contramão – K.
Teu lugar, Ao lado do meu, Para lá do travão de mão E da chama de ignição, Que não quer pegar. Deixo ficar No retrovisor o adeus; Um beijo sobre o alcatrão E as poças sob as minhas botas, Águas do céu no chão. Espero aqui Em baixo, pela luz acender; Pela porta abrir e bater, Pela menina sair e sorrir, a correr, A fugir da chuva. Por ti Espero o semáforo mudar; Guardei p'ra estacionar esta vaga; A única que tinha, A última que me restava. Podes entrar. Prometo ter cuidado. Não vou por veredas Ou caminho apertado, A não ser que te queiras perder. Nunca mais Quiseste seguir o mapa. Não dás sinal, Nem direção, nem morada; Onde estamos, afinal? Vou desejar Que haja trânsito; E filas preguiçosas Para podermos continuar A ver o mundo pelo para-brisas. Outro alguém, Que se sente aí, Nem adivinha que peito Protege esse cinto. Será que ele sente o mesmo que sinto? Tanto assim Te quero e te espero. Tarde, manhã e madrugada Trinta e quatro, porta de entrada; Pôr do sol, meia-noite e alvorada. Deixa-me amar Esta vida-viagem E odiar o destino. Garagem, travagem, paragem, não, Nem marcha à ré ou contramão.
Agarra o Coração Dentro do Peito – Menina Di
Agarra o coração dentro do peito, porque ele corre por este mundo fora; O freio necessário para a segurança da alma, que sem calma, almeja o além. Respiras este ar que te sufoca, atmosfera sentimental impenetrável de um mundo que te engole. O coração embate contra portões fechados, esgueira-se por janelas semiabertas, mas choca com humanos de lágrimas derramadas. Já não querem mais; o coração fugiu e voltou quebrado; mil peças dissolvidas num caminho trilhado, caminho de um sentido, desbravado por um corpo cego de paixão. Nas ruas da alma, o coração é ladrão e a racionalidade marginal; o entendimento vanesce na sombra de um coração colossal. O coração cantante segue por encontros, risos e carícias. Coração ladino que sucumbe ao toque que te faz vibrar, ao beijo que alimenta a volúpia, ao olhar que te arrebata. Do coração és refém, iludido de corpo e alma, vísceras que perdem governo, serenidade que se extingue. Sem rogar licença ele te domina e tu desequilibras- te no correr da vida. E ele, cego, é quebrado em esquinas traiçoeiras e cruzamentos não sinalizados; seguindo sem mapa, sem freio, embraveado. E agora, mil peças jazem numa terra outrora fértil. A racionalidade apanha a pouco e pouco os cacos, agachando-se em memórias frívolas. O rio do tempo corre, algumas peças são perdidas na corrente; o coração fica o mesmo, mas diferente; a racionalidade reinventa o sentir, o bater é fortemente comedido. Por isso, agarra o coração dentro do peito, porque ele corre por este mundo fora.
O Silêncio de Tudo – Eduardo D. Luz
Pergunto-me... Questiono-me sobre a forma como correm as estações em movimento vertiginoso. Sobre a forma como as memórias dançam entre os nossos dedos, enrugando o lençol do corpo e a forma da alma. Questiono-me quando é que deixei de acreditar que lutava dragões, príncipe encantado em armadura reluzente. Que derrotava as trevas beijado pelo amor de uma donzela. Que acreditava ser capaz de acreditar até que isso fosse verdade.... Questiono-me uma vida de interrogações. Nunca capaz de as responder, de lhes espremer o seu tudo, restando-me, solitariamente, o seu nada. Sobretudo, interrogo-me, derradeiramente, o porquê de apenas agora questionar. Apenas para me aperceber que dançara cego, em ritmo de valsa, toda a minha existência. Que rodopiava à volta da alegria; que saltava, elegantemente, sobre o medo, observando, sem sentir, que todos me abandonavam, um por um. Agora, vejo abruptamente que estou num campo em chamas. Que grito a minha solidão, com apenas o silêncio para me ouvir. Vejo os sonhos daqueles que amei, fitas que caem rumo à plenitude do ser nada. Fitas que querendo voar, acabaram apenas por se tornar terra. Ouço-as enquanto choram aquilo que desejavam ser e, com medo de também eu as esquecer, agarro-as desesperadamente, transformando-as em fragmentos do meu corpo, em estrelas que gritam o silêncio das suas vidas. Ah, Tempo, como são pesados! Ah, como ardem.... Ouço a minha vontade a estilhaçar-se sobre o seu peso colossal. Sinto as minhas flores a murcharem. Os meus sonhos a desvanecerem.... Vejo, agora, que eu sou o campo em chamas. Que nunca conseguirei dançar eternamente. Que nunca serei capaz de marcar o mundo com vento. Que nunca saberei outra vez o que é querer voar... Oh, Tempo, vejo as palavras de Ontem, ouço as lágrimas de Hoje e apenas anseio preencher-me com o vazio de Amanhã... Ah, como o Tempo pesa! Ah, como arde... Ah, como seria bom não mais ser...
Nota de autor:
Este poema, escrito em prosa poética, pinta o cenário no qual se apresenta
usando duas grandes temáticas para lhe dar cor e forma: o significado de
envelhecer e o papel do sonho na vida do Homem. À medida que o tempo vai passando, não nos apercebemos daquilo que vamos deixando para trás com esta sua passagem, tão rápida, nomeadamente, aqueles que amamos e os seus sonhos. O sujeito poético acorda, assim, subitamente, do seu transe, questiona tudo aquilo que era demasiado cego para conseguir ver antes e, descartando, por fim, a sua ingenuidade, apercebe-se que está sozinho e, principalmente, que todos os sonhos dos que amou foram em vão. Por isso, numa tentativa de, por um lado, não os esquecer para não se sentir tão sozinho, e, por outro, para garantir que eles foram relevantes no mundo, encarrega-se de realizar os sonhos deles, tornando os seus. No entanto, se por um lado isto torna-se uma responsabilidade demasiado pesada para ele suportar acabando por ter de se esquecer dos seus próprios sonhos e ambições, apercebe-se de que é impossível marcar o mundo só com sonhos, que independentemente do que façamos acabamos eventualmente por ser esquecidos, e por isso, acaba por sofrer e deseja tornar-se também ele nada.
Todos sabemos como o tempo passa estranhamente rápido, mas a maior parte do tempo não temos verdadeiramente consciência de tal. Talvez seja porque a passagem do tempo implique uma mudança irreversível. Porque nos aproxima, inevitavelmente em direção à morte. Talvez seja o medo d esse estado desconhecido que nos leva a ignorarmos o assunto, a fecharmos os olhos e a deixarmos de questionar, de sentir e viver a vida, porque não temos noção do quão pequena ela é. O sujeito poético abre finalmente os olhos, apercebe-se que apenas se tinha limitado a existir, sem viver, até agora, sem questionar, sem se envolver totalmente naquilo que sentia, sem perceber que todos os que amava iam desaparecendo um por um, até ele ficar totalmente sozinho.
Aqueles que nos rodeiam são facilmente marcados na nossa mente por certos traços de personalidade ou por determinadas ações que tenham realizado, no entanto, para mim, aquilo que acaba por me marcar mais talvez sejam os seus sonhos. Um sonho é colossalmente pesado, daí o sujeito poético se sentir esmagado por toda a responsabilidade de carregar os sonhos dos outros, sentindo-se até mesmo a arder como se fosse um campo queimado, sem qualquer chance de voltar à vida, principalmente por ter abandonado os seus sonhos para tentar, sem sucesso, suportar os dos outros. O sonho define-nos (daí o sujeito poético lembrar-se imediatamente dos sonhos daqueles que amou mal se apercebe que está sozinho), no entanto, a maior parte deles acaba por nunca se realizar ou, mesmo que acabem por se tornar realidade, muito dificilmente marcam o mundo de uma forma que sobrevivam na memória do tempo, acabando, assim, por cair no esquecimento. Para mim, sonhar é uma eterna dualidade entre ser o leme que permite-nos lutar, evoluir e caminhar em direção ao futuro (tanto que, só após de ter que desistir dos seus é que o sujeito poético se abandonou completamente ao desejo de ser nada) e a sua irrelevância perante a vastidão do mundo e do tempo, que pode nos
parecer avassaladora e brutal.
Este é um poema cuja função se centra no simples despertar de consciências, numa tentativa de levantar questões naqueles que o leiam e, sobretudo, para que reflitam sobre o verdadeiro significado da vida e do sonho.
Tempo – Raposa Estrangeira
Viajas na minha vida, A velocidade de luz A tua pressa desmotiva E, agora, nada me seduz. Por isso, peço-te com jeitinho, Dá-me liberdade, por favor! Na minha mente não fiques perdido, Quero-te recordar com louvor. Deixa-me pensar e amar. Deixa-me acordar e estudar, ler e escrever, pintar e falar, comer e beber, sorrir e chorar. Não me deixes sobreviver, Porque eu anseio é viver! Oh meu doce tempo, Se conseguisse eu dir-te-ia Para não andares com pressa, Viveres e aproveitares cada dia!