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Silêncios de Verão

Leonor Ribeiro

Hoje em dia, encontrar o silêncio não é uma tarefa muito fácil. Vivemos uma azáfama diária, rodeados pelo trânsito, pelas notícias, pelos sons dos nossos telemóveis e de toda a correria a que estamos acostumados. Os poucos momentos em que nos deparamos com o silêncio surgem à noite, quando nos preparamos para adormecer e, por vezes, nem nessas alturas o silêncio é tão grande quanto gostaríamos.

Erling Kagge, um escritor norueguês que escreveu o livro “Silêncio na Era do Ruído”, fez-me pensar sobre isto mesmo. Indagar acerca da dificuldade que é, hoje em dia, perceber o que é o silêncio e ser capaz de desfrutar dele.

Depois de debater acerca da complexidade deste tema, daquela que é a definição da ausência de som, a conclusão a que Erling chega é que o verdadeiro silêncio surge de uma conceção interior, de um estado de espírito, e pode ser alcançado mesmo no âmago da confusão.

Qualquer um de nós já deve ter passado por inúmeras situações em que isto acontece. O exemplo que o escritor nos dá é o de um jogador de futebol, quando dispara o seu remate em direção à baliza. Se lhes perguntarem o quão alto é o ruído da multidão nesse momento, e se esse ruído permite antecipar a chegada da bola antes de esta tocar na rede, muitos afirmam que no momento em que a bola sai dos seus pés, a atenção nesta é tão grande, que não têm qualquer perceção sobre aquilo que se desenrola à sua volta.

Contudo, este tipo de silêncio não é o que me espanta, e acaba por estar tão intimamente ligado aos momentos de maior concentração numa dada tarefa, que acaba por se tornar um pouco banal. Não é o verdadeiro silêncio, na essência da palavra, mas sim um silêncio mental relativo.

O verdadeiro silêncio, aquele que só pode ser atingido em locais extremamente raros na natureza, é quase impossível de encontrar em ambientes urbanos ou áreas altamente desenvolvidas. Esse silêncio, que poucos de nós temos a sorte de conhecer, pode ser procurado em cavernas profundas, no espaço, em regiões remotas e desertas e ainda no fundo do mar.

Essa ausência total de som, que desconheço, acredito ser despoletadora de um turbilhão de pensamentos. Pelo menos, assim imagino que seria o meu caso. E bem sei o quão barulhenta e ensurdecedora consegue ser uma cabeça pensante. Assim, apesar de o desconhecer e lhe guardar o respeito que tal raridade merece, este também não é o verdadeiro silêncio que me fascina, e esse tal, apenas surge nos momentos em que paro para o procurar.

O meu silêncio preferido é o silêncio de verão.

Sou suspeita, esta é a altura do ano pela qual sempre espero, pelos dias longos, pelos fins de tarde, pelo por do sol. O calor traz com ele cores diferentes, não só nas roupas mais alegres que vestimos, mas nas flores, nos vários tons de azul da água do mar, ou nos vários tons de verde que assomam a vegetação. Tudo nesta altura me faz sentir mais leve, mais lenta, e só nesta altura, em que fujo à velocidade dos outros meses do ano, é que sou capaz de parar, e procurar o silêncio.

E para vos dar um exemplo daquilo a que me refiro, decidi partilhar uma tarefa do livro criativo que escolhi completar este verão. Era a tarefa I5, pedia o seguinte: “Encontre um lugar sereno no qual possa acalmar a sua mente e ouca os sons da natureza que falam para si. Anote os sons que consegue ouvir”. Ao longo de dez minutos deixei-me estar de olhos fechados, e o resultado final foi este:

“A praia do galo está quase vazia. O som predominante é o das ondas a bater nas rochas. Se pararmos atentos, também ouvimos um fluxo mais ligeiro de água a escorrer, como uma mini cascata que começa lá em cima nas pedras e vem descendo em direção ao mar. Também se ouve o vento, sobretudo quando faz abanar as plantas secas lá no topo da arriba. Às vezes passam pássaros. Ouvem-se as asas a bater, também se ouve piar.”.

Com tarefa ou sem tarefa, acredito que todos somos capazes de desacelerar uns minutos e parar para nos deixarmos envolver pelo que está à nossa volta. Este silêncio, que na verdade é o nosso silêncio, é a versão de ausência de som que mais me cativa. A calma que o verão me transmite, e a forma lenta como tudo se processa, desde o acordar sem despertador até ao deitar sem hora definida, permitem-me ter a disposição para parar, procurar silêncio, e ouvir os sons que me escapam facilmente nas outras alturas do ano.

Com isto, não estou a dizer que o som da chuva a bater na janela no inverno seja menos especial. Também não nego o gosto que tenho em ouvir o granizo a estalar no vidro, na única altura do ano em que o frio é tanto que as gotas da chuva se juntam todas em bolinhas brancas imensas. Mas sou honesta, e talvez suspeita pelo meu amor declarado ao sol e ao calor, nenhum silêncio se compara ao vento brando de verão a fazer abanar as folhas nas árvores da montanha. Nenhuma onda de inverno faz as pedras da praia rolarem tão lentamente, umas sobre as outras, como a percussão suave de fundo que trazem as ondas do verão.

Assim, acho que este desabafo é uma ode, em pouco poética, que dedico à estação do sol e do calor, das frutas maduras, das brisas quentes e das gargalhadas mais altas. Espero que passes lentamente, que estiques todos os dias do primeiro ao último raio de sol, e que me permitas a mim, e a todos os que se deixam encantar por esta altura, ter o tempo e a predisposição para parar, fazer silêncio, e deixar revibrar nas partículas do ar, todos os sons que só tu trazes, para encher de cor o silêncio, que ao longo do ano, acredito ter mais tons de cinzento.

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